Indefinido.


Existem ensinamentos que mesmo dentro de famílias diferentes, com princípios opostos, todos sempre compartilhamos, e mesmo com o término da fase em que ainda não temos capacidade para julgar o certo e o errado de acordo com nossa própria maneira de ver o mundo (que aqui vou estabelecer como partindo do nascimento até nossa pré-adolescência, mas varia de pessoa para pessoa, pois maturidade, infelizmente, não está ligada a idade), costumam ser basicamente relacionados a maneira como devemos tratar o próximo: ao pedir, fale por favor; ao conseguir, agradeça; ao passar, não esqueça de antes dizer com licença; não bata, não xingue, não minta, não roube. Em meio a tudo isso que nos é negado, há algo que até quando aprendemos de formas diferentes, é sempre uma afirmação: o amor. Desde pequenos, mesmo em famílias que não conversam abertamente sobre o assunto, aprendemos que amar é sim maravilhoso, é necessário e quase tão natural como sentir sono depois de um longo dia. O amor é entre todas as coisas que conhecemos, puro e válido, e raramente questionamos o que está por trás dele, apenas o aceitamos. O amor é maravilhoso, mas o amor romântico, quando visto de perto, não parece assim tão bonito.


Na China, mulheres solteiras acima dos vinte e sete anos, são consideradas seres indignos. Elas precisam casar para ter respeito (além do claro interesse do Partido local em estabilizar a diferença de gênero no país causada pela antiga política do único filho) e quando não o fazem, são conhecidas como as mulheres que sobraram, que não possuem uma vida completa. O amor não é isso, o amor não era para ser isso.

"Sempre achei que ela tinha uma ótima personalidade. Mas ela não é muito bonita, fica na média. É por isso que ela é uma 'mulher que sobrou'", diz uma mãe sobre a filha solteira. "Se ela não encontrar o caminho, será como uma doença do coração para mim" diz um pai, de uma família oposta. As respectivas filhas, entre lágrimas, respondem: "Eu quero ser amada", "Talvez eu devesse desistir de alguém que amo, para alguém que é adequado. Talvez eu esteja sendo egoísta, quero pedir desculpas a eles!".

Quando converso com amigos que tiveram uma base familiar estabilizada, a concepção do casamento e do amor romântico sempre parece ter saído de um conto de fadas. O modo como vemos o amor ao decorrer da vida, influencia muito na maneira como achamos que vamos encontra-lo, é muito mais fácil acreditar que tudo será perfeito quando seus pais continuam apaixonados um pelo outro depois de quarenta anos juntos, é muito mais fácil querer isso para si quando não se vem de uma família separada pelo divórcio, ou de uma família que nunca sequer existiu. Só se enxerga aquilo que se quer ver, e esse é o problema de aceitarmos o amor como algo sempre puro.

Apesar do fim trágico, Titanic é mais do que nunca um filme sobre amor, mesmo que houvesse espaço para Jack, o navio era tudo o que aquele amor precisava para existir, até que o mesmo afundou, e ele precisou acabar. Pensamos sempre na maneira como Rose foi errada por não salvar seu amado, mas nunca nos questionamos sobre o que teria acontecido depois dali. E se Jack se tornasse um alcoólatra incapaz de arcar com a vida a dois? Rose, cansada do marido, em uma noite silenciosa, pegaria algumas roupas, seguraria firmemente as mãos da criança gerada quando o amor entre eles parecia ser tudo, e partiria em busca de uma vida melhor, deixando apenas um pedido de desculpas escrito em uma letra ruim. Jack, cada vez mais decepcionado com o acontecido, diria a todos os colegas de bar: "Aquela mulher, ela me arruinou! EU DEVERIA TER MORRIDO NAQUELE NAVIO!". Ou antes mesmo de um possível casamento, fora de navio onde até as coisas mais simples tornavam-se intensas, Jack talvez olhasse para Rose e pensasse "Nhé?".

Não é um erro desejar o amor, longe disso. O erro é fazer disso algo torturante, algo que desgasta sem nem estar presente. O amor enriqueceu a muitos, cada dia mais músicas, filmes e séries com o mesmo enredo são produzidos e nos influenciam a sempre achar que o sentimento é esse eterno mar de rosas, sem nos lembrar o essencial: todas as rosas possuem espinhos.

Amor não precisa doer, mas vai doer.
Amor não precisa machucar, mas sempre rala um pouco.
Amor é mais do que todos nós podemos ver, e não nos cabe tentar defini-lo.

Uma Definição

amor é uma luz á
noite atravessando o nevoeiro
amor é uma tampinha de cerveja
pesada no caminho
do banheiro
amor é a chave perdida da sua porta
quando você está bêbado
amor é o que acontece
uma vez a cada dez anos
amor é o velho jornaleiro na
esquina que
desistiu
amor é o que você acha que a outra
pessoa destruiu
amor é o que desapareceu junto
com a era dos navios encouraçados
amor é o telefone tocando,
a mesma voz ou uma outra
voz mas nunca a voz
correta
amor é traição
amor é o incêndio dos
sem-teto num beco
amor é aço
amor é a barata
amor é uma caixa de correio
amor é a chuva sobre o telhado
de um velho hotel
em Los Angeles
amor é o seu pai num caixão
(aquele que te odiava)
amor é um cavalo com a perna
quebrada
tentando se levantar
enquanto 45.000 pessoas
observam
amor é o jeito que nós fervemos
como a lagosta
amor é tudo que nós dissemos
que não era
amor é a pulga que você não consegue
encontrar
e o amor é um mosquito
amor são cinquenta lançadores de granada
amor é um pinico
vazio
amor é uma rebelião em San Quentin
amor é um hospício
amor é um burro parado numa
rua de moscas
amor é um banco de bar vazio
amor é um filme de Hindenburg
se retorcendo
um momento que ainda grita
amor é Dostoiévski na
roleta
amor é o que se arrasta pelo
chão
amor é a sua mulher dançando
colada com um estranho
amor é uma senhora
roubando um pedaço de
pão
e o amor é uma palavra usada
muitas vezes e
muitas vezes
cedo demais

(BUKOWSKI, Charles. Amor é tudo que nós dissemos que não era.)

Comentários

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  1. o amor é difícil de explicar... e dói quererem acabar com a ele. é terrível.
    algumas culturas são realmente dificeis que eu aceite de boa.

    abraço.

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  2. Moça, que texto lindo. Eu tô sem palavras. Li hoje mais cedo durante a aula (hehehe) e tive que me controlar pra não suspirar alto na sala.

    Acho que as pessoas tem uma concepção errada do que é amor, de verdade. É aquela coisa dos contos de fadas, das comédias românticas etc., mas o amor é bem diferente de tudo isso. E eu discordo que o amor faça doer. O que faz doer são as diversas circunstâncias nas quais as pessoas se encontram, a complexidade das relações, a diferença entre o que queremos e o que realmente é. O amor não faz doer. Mas todo o resto das nossas vidas faz.

    Nunca te imaginei abordando esse assunto, porque na minha concepção você é arromântica (pessoa que não se apaixona e tals). Não sei até que ponto isso é verdade ou impressão minha (até porque você pode ter mil e uma paixões, só não fica espalhando isso por aí, né), mas saiba que adorei a tua visão sobre tudo isso.

    Vale ressaltar que o amor é diferente da paixão. Sim, mesmo o amor romântico, ele é bem diferente da paixão. Não é aquilo que a gente sente ao ver uma pessoa pela primeira vez. Enquanto um casal tá no começo, eles ainda não se amam, só estão apaixonados. O amor é como uma criança que cresce com o tempo. Às vezes ela morre, é verdade (que mórbido isso, ui), mas se a gente tomar cuidado, ela sobrevive e nos acompanha até o fim das nossas vidas. E, só pra esclarecer, a gente pode amar e estar apaixonado ao mesmo tempo, embora isso seja raro porque a paixão tende a morrer cedo e deixar só o amor (ou nada, caso o casal não tenha sido cuidadoso pra criar e cultivar o amor).

    Enfim.
    O amor é simples. É o caminho pra cura da alma, por mais que todas as outras adversidades da vida deem a impressão de que ele faz doer.

    Beijinhos. ;*

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  3. Ótimas reflexões <3 Amei o texto (especialmente a ponderação sobre um futuro a dois entre Jack e Rose, hehe)

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  4. Oiê Tati,

    De fato não pensei nesse sentimento desse ponto de vista que tu deixaste ao final. Quanto as mulheres, conhecia essa história, mas não sei se devo comentar ou me prolongar, por N fatores, o fato é que as pessoas, sim, precisam de amor. Engraçado, pois muito recentemente eu li as palavras de Caio F. Abreu dizendo que amor é algo que o ser humano se agarra para não se sentir tão sozinho... Isso me fez refletir muito sobre ele, sobre possibilidades, e pra falar a real, não conclui bolhufas nenhuma WUHDIHQWDHUQWDUI

    O ponto é que... o amor é tudo e mais um pouco? Talvez, mas é o feeling, e não as palavras.

    Passe bem.
    xoxo

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