Diário de guerra.


Falar sobre o TAG (Transtorno de Ansiedade Generalizada) é difícil, assim como falar sobre o pré-vestibular. Administro isso da melhor forma possível: não falo. Consequentemente me apago; mas existem esses dias — e talvez eu precise assumir que está havendo todo um mês — em que até algo tão fácil como me calar é um esforço muito maior do que a dificuldade em si.

Como já disse em um texto do ano passado, tentar uma vaga na universidade depois de toda uma vida no ensino público é injusto, é dolorido, e parece tomar cada parte positiva que talvez ainda exista em mim. A minha vida é o pré-vestibular. Eu acordo antes da manhã chegar e em menos de 30 minutos estou no ponto de ônibus indo para um lugar há duas horas de distância da minha casa e fico ali assistindo a exatas treze aulas até o anoitecer. E eu tenho sim privilégios, porque mesmo sem uma renda alta, minha mãe tem conseguido trabalhar e nos sustentar enquanto eu me dedico aos estudos; e mesmo sendo um projeto gratuito, ter acesso a educação num país em que isso se torna cada dia mais inatingível pra grande parte da população é algo enorme. 

Exceto pela parte em que não há nada de bonito em precisar estudar diariamente por mais de 10 horas pra conseguir — quem sabe — passar em um vestibular. E conciliar isso ao meu transtorno é cada dia mais desgastante. E eu odeio a palavra transtorno porque pareço desequilibrada, o que é na verdade o oposto do que sinto: eu VIVO em busca do equilíbrio, ao ponto de precisar de ajuda porque a ansiedade generalizada é essa sensação de incompetência com tudo que foge do seu controle (e novidade: a grande parte do que vivemos não pode ser controlada), em que o seu corpo reage com crises em que você pode ficar muito mais acelerada que o normal, perder o ar, o controle dos membros, chorar por um bom tempo sem motivo nenhum, com extremos de insônia e depressão. 
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Minha primeira crise de ansiedade aconteceu em 2013, e eu não fazia a mínima ideia do que era aquilo, então muitas outras aconteceram sem que eu sequer soubesse o que meu corpo tentava me dizer. De lá pra cá foram muitas tentativas de conter o que ficava cada dia mais claro, até que esse ano, depois de um longo processo em que precisei aceitar que sou um ser humano e por isso não vou estar em completa capacidade de lidar comigo mesma sozinha sempre, o diagnóstico veio e com ele o inicio do tratamento. 
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A primeira vez em que pisei em um cursinho pré-vestibular foi no ano seguinte ao fim do meu ensino médio: 2015. Eu trabalhava em um local que me saturava, estudava a noite, percebia diariamente que o ensino público me privou de muitas coisas e que correr atrás de todas elas seria complicado; o contrato do trabalho acabou, não aceitei a efetivação, meus pais se divorciaram e todo o resto do ano é um borrão de momentos em que eu me segurei em muitas coisas pra tentar camuflar todos esses problemas que me afetavam diretamente. 

Em 2016 voltei a estudar no mesmo lugar, o ano foi imensamente melhor, mas as crises de ansiedade vez ou outra davam um jeito de aparecer, o que ajudou no amadurecimento da ideia de buscar um tratamento. 2017 chegou, um novo pré-vestibular e enfim o tratamento.

Era uma sexta-feira, emenda de feriado, e apesar de já ser meu sétimo dia seguido em casa, mentalmente eu parecia ser o centro de ataque em uma guerra que nunca pedi para estar, mas simplesmente aconteceu: meu eu interno contra a vida externa e todas as suas exigências.
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Eu não sou minha ansiedade, mas muito de quem sou faz parte dela, e nem sempre isso foi tão claro para mim como é agora. Muitas vezes já me desculpei e tentei ensinar a maneira certa de me tratarem, quando isso é na verdade o básico que esperamos de quem nos cerca. Ninguém é responsável pelo que sou e jamais os cobraria por isso, mas por baixo do longo tapete de flores que o Setembro Amarelo tece, a vida social de quem possui um transtorno é um fio delicado, e nem todas as pessoas são capazes de amarrá-lo.

Ser parte dela me custou amigos. Porque você pode dizer ao mundo que não está bem, mas quando as pessoas se dão conta da verdade, mesmo que você a tenha repetido milhares de vezes, é inadmissível que você esteja se isolando, e não sendo amiga delas mesmo que não consiga levantar da cama porque a exaustão mental te dominou, mesmo que não consiga acima de tudo ser sua própria amiga.

Tê-la como uma parte minha me privou por muito tempo de me pertencer e de saber o que mereço obter, o que posso aguentar e até onde devo ir. Mas não mais.
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Existem os dias ruins, em que tudo o que sou capaz de fazer é pensar e pensar e pensar e pensar até estar em uma guerra comigo mesma, e existem esses, em que eu consigo falar sobre a guerra.

Nem sempre tudo vai estar bem. 
E tudo bem, pois os ombros suportam o mundo.

Comentários

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  1. Tenho ansiedade desde nova, mas não sabia o que era, achava bobagem minha e nunca liguei. Época do vestibular é sempre de muita tensão, lembro da minha até hoje, um sofrimento quase que desnecessário. É realmente essa guerra interna, 100000 exigencias e (pelo menos pra mim) a necessidade de agradar todo mundo.
    Mas tudo passa e, sim, vivemos dias ruins e dias bons tb, faz parte da vida, né.
    Mas fale, viu. Acho que nosso cantinho está aí pra isso ;)
    Bjs flooooor

    http://cariocadointerior.com.br/index.php/2017/10/15/suco-de-nuvem-por-darla-dalbone/

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  2. bota pra fora, quando ninguém mais (nem você) der conta. escreve aqui ou onde mais quiser. foi o que me ajudou quando eu me senti extremamente sozinha e com raiva do mundo inteiro que não entendia.

    espero que te ajude :)

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  3. Às vezes sinto um pouco de vergonha ao dizer que uso remédio pra controlar a ansiedade, principalmente quando conheço uma pessoa nova. Às vezes acho isso uma bobagem e assumo que sim, alguns hormônios no meu cérebro não funcionam direito e eu preciso de tratamento. E quase sempre, por mais chata que essa palavra seja, e por mais que as pessoas associem com loucura, eu tento fazer meus familiares entenderem que "transtorno" mental é uma doença como qualquer outra que pode acontecer no corpo da gente.

    ps: Eu estudo para concursos públicos e por causa da ansiedade tive várias pausas e quedas de rendimento, por isso imagino como deve ser estressante pra você estudar sob pressão. Como uma sobrevivente da depressão, síndrome do pânico e ansiedade, só posso te dizer que a melhor coisa você já fez que é buscar tratamento. O resto a gente vai vivendo um dia de cada vez.

    ps2:Ao longo do tempo me isolei de muita coisa, perdi contato com muita gente e muitas vezes ainda me pego me sentindo sozinha, desejando alguém pra conversar, sair, andar um pouco. Essa pra mim foi a pior parte da ansiedade, mas depois de passar por tantas coisas, não tenho mais paciência pra reconstruir laços que deixei pra trás. O que eu quero agora é tudo novo, amigos novos, lugares novos, amores novos, ares novos.

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  4. Eu não gosto muito de comentar textos como esse porque é uma daquelas coisas que, se você estivesse me falando na cara, eu ia só escutar. Às vezes a gente precisa ser escutado e eu tenho uma treta pessoal com "os outros invadem meu espaço quando não estou pronta pra aceitar isso", e sinto que comentar textos assim tão pessoais é uma pequena invasão.
    Eu acho que buscar tratamento é sempre um bom caminho. Nem todo tratamento é uma boa caminhada, mas reconhecer uma parte de você e olhar pra ela é sempre bom. E eu espero que isso "logo" seja só mais um texto velho, uma memória distante, e que a sua relação consigo mesma e com o mundo seja um pouco mais tranquila. :)
    Um beijo!

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  5. Hey! Convivo com alguém que amo muito e passa pelos mesmos desafios. Conseguir falar sobre isso é lindo e tenho certeza que é necessário de vez em quando, né? Botar pra fora! Não sabia como seria lidar com tudo isso, porque só quem realmente passa sabe como é, mas faço meu melhor para apoiar. Mesmo sem entender. E me dói ver a forma como as pessoas que se dizem amigas o tratam. Muita força, muito amor e muita paz pra você <3 Beijos!

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