Água Viva, muito além de um monólogo. | #MLI2017

Água Viva, monólogo ficcional escrito pela autora Clarice Lispector (1920-1977), publicado pela primeira vez em 1973, cumpre com 5 desafios da Maratona Literária de Inverno 2017, sendo eles:

  • Ler um livro com menos de 200 páginas;
  • Ler um livro que você comprou pela capa;
  • Ler um livro escrito por uma mulher; 
  • Ler um livro sem saber a sinopse ou do que se trata;
  • Ler um livro nacional. 
Ao longo do texto, Clarice "troca de pele" com uma pintora que começou a se aventurar na escrita, falando sobre seu processo de criação -- artístico ou até emocional, já que em muitos momentos do livro nos deparamos com a narração da morte interna da personagem que sempre cria-se novamente--, questões da vida, da morte, do instante-já, que aconteceu mas agora já foi e fez-se um novo instante-já, e do que é o ser e o é, tão pequeno, mas tão completo porque em meio a tudo ele simplesmente é!

Uma leitura densa que pode obter diversas interpretações de acordo com quem a lê e o momento vívido. O que inclusive foi feito pelo falecido cantor Cazuza -- que segundo sua mãe, leu a obra 120 vezes, fazendo tracinhos na última página cada vez que a lia --, em sua letra "Que O Deus Venha":

"Sou inquieto, áspero
E desesperançado
Embora amor dentro de mim eu tenha
Só que eu não sei usar amor

Às vezes arranha
Feito farpa
Se tanto amor dentro de mim
Eu tenho, mas no entanto
Continuo inquieto
É que eu preciso que o Deus venha
Antes que seja tarde demais
Corro perigo
Como toda pessoa que vive
E a única coisa que me espera
É o inesperado
Mas eu sei
Que vou ter paz antes da morte
Que vou experimentar um dia
O delicado da vida
Vou aprender
Como se come e vive
O gosto da comida"

"[...]O Deus tem que vir a mim já que não tenho ido a Ele. Que o Deus venha: por favor. Mesmo que eu não mereça. Venha. Ou talvez os que menos merecem mais precisem. Sou inquieta e áspera e desesperançada. Embora amor dentro de mim eu tenha. Só que não sei usar amor. Às vezes me arranha como se fossem farpas. Se tanto amor dentro de mim recebi e no entanto continuo inquieta é porque preciso que o Deus venha. Venha antes que seja tarde demais. Corro perigo como toda pessoa que vive. E a única coisa que me espera é exatamente o inesperado. Mas sei que terei paz antes da morte e que experimentarei um dia o delicado da vida. Perceberei -- assim como se come e se vive o gosto da comida."

--Trecho de Água Viva, LISPECTOR, Clarice. 

Para quem nunca leu Clarice, não recomendo que comece com esse, livros como A Hora da Estrela e Laços de Família são melhores para se familiarizar com a escrita da autora, mas para quem já a conhece, recomendo a leitura com um toque de paciência para compreende-la. 

Em um quote:

"Será que isto que estou te escrevendo é atrás do pensamento? Raciocínio é que não é. Quem for capaz de parar de raciocinar -- o que é terrivelmente difícil -- que me acompanhe."

Nota:

Update 1: hoje o Victor Almeida prorrogou a Maratona Literária de Inverno 2017 até o dia 5 de Agosto (antes ocorreria só até 30 de Julho).
Update 2: se alguém se interessar, coloquei no menu lateral do blog (é só clicar nas três linhas horizontas ao lado do menu) uma imagem que direciona para o meu perfil no Skoob c:

Coração, Cabeça e Estômago. | #MLI2017

Coração, Cabeça e Estômago, livro do português Camilo Castelo Branco, é uma obra publicada em 1862, atualmente requerida como leitura obrigatória pelo vestibular da Unicamp, e foi meu escolhido para ser o primeiro da Maratona Literária de Inverno 2017, com isso, além de já saber do que se trata caso o mesmo seja cobrado em alguma questão da prova, consegui cumprir o 8º desafio: ler um livro com pontuação no título. 

Tudo se inicia com a notícia sobre a morte de Silvestre, um escritor. Antes de partir, Silvestre decidiu enviar tudo o que escreveu ao longo dos anos para um amigo, sendo assim publicado um livro autobiográfico póstumo, no caso, Coração, Cabeça e Estômago. Têm-se então, um livro dentro de outro livro (metalinguagem, com presença de dois narradores, sendo Silvestre o que participa das ações e seu amigo, encarregado de sua obra póstuma, o editor que apenas conversa com o leitor por meio de adendos que não revelam sua presença nos acontecimentos). A obra, como já intitulada, é dividida em 3 partes: coração, cabeça e estômago, em que cada uma das três partes do corpo é responsável pelos acontecimentos na vida do personagem. Outro ponto interessante, é o fato de todo o enredo da história, apesar de considerada parte do período romântico português, ter um óbvio tom de sátira ao Romantismo, colocando o falecido Silvestre em situações cômicas ao longo do enredo para se sentir parte dos ideais da época -- como por exemplo, pintar olheiras com tinta roxa depois de ser rejeitado pelas mulheres que desejava, deixar os cabelos despenteados, e se obrigar a sofrer por algo que na verdade, não o tocou. É na primeira parte, o coração, em que conhecemos as sete mulheres apontadas por Silvestre da Silva como seus desastres amorosos.
“Amei as primeiras sete mulheres que vi e que me viram.”

 “Se queres mulheres para romances e prosas, pede-as à tua imaginação e deixa o mundo real como ele está, que não pode ser melhor.”

“Eu carecia de uma paixão que me sacudisse pelos cabelos, uma paixão que me levasse de inferno em inferno, que me empinasse ao apogeu da glória, ou me despenhasse na voragem da morte. Precisava disto, porque não tinha que fazer, e gozava robusta saúde…” 
O (anti)romantismo já é observado na forma como as mulheres são descritas -- fugindo do enaltecimento e da angelicalidade sempre tão destacas no Romantismo. "[...] ali a temos prostrada numa otomana, com olheiras a revelar o cavalo do rosto, com a cintura a desarticular-se dos seus engonços, com as mãos translúcidas de magreza, os braços em osso nu e os olhos apagados nas órbitas, orvalhadas de lágrimas." 

A segunda parte, representada pela cabeça, é quando o personagem após suas desilusões decide reger a própria vida com mais racionalidade em busca da ascensão social por meio da sua carreira jornalística. Coisas acontecem, erros são cometidos, e nem a racionalidade é capaz de satisfazer Silvestre. Assim inicia-se a terceira parte, nomeada estômago, quando as idealizações amorosas, financeiras, sociais dão lugar a um ser mais disposto a aceitar o que estiver dentro da sua realidade. É nela em que vemos Silvestre se mudar para o campo, iniciar uma carreira política, e se casar. Por fim, é contada a sua morte, curiosamente causada por excesso de comida -- o que para a época, em que o sistema capitalista estava sendo instaurado por toda a Europa, pode ser interpretado como uma crítica ao acúmulo material.

Se eu pudesse resumir todo o livro em um único gif:


Não foi uma leitura muito prazerosa, por eu não ter gostado muito da fase cabeça, que me pareceu muita enrolação para nada (mas quem sou eu para julgar a vida de Silvestre), mas mesmo assim, me rendeu boas risadas em diversos momentos. 

Nota: 


*É comum a comparação entre Silvestre e Brás Cubas, personagem de Machado de Assis.
© Limonada
Maira Gall