I lost myself again, but I remember you.



Em um primeiro momento estou voltando de um comércio do bairro embaixo da chuva, sem sombrinha, porque minha casa é perto e porque a janela tinha ficado aberta. Enquanto eu corria a chuva me deixava sem ar e a água pegava cada vez mais o espaço que restava entre meu tênis e meu pé, e ao mesmo tempo em que era gostoso sentir cada parte minha molhada, era ruim tentar lutar contra um tipo de natureza para a qual o corpo humano não é totalmente adaptado. Quando entrei em casa, depois de fechar a janela, eu poderia ter feito muitas coisas. Poderia ter tirado os tênis, as roupas encharcadas. Poderia ter tomado um banho quente. Mas a primeira coisa na qual pensei, e a primeira coisa que fiz, foi pegar meu celular e tirar uma foto do meu estado para te mandar com alguma piada ruim, que eram as únicas que nós dois sempre ríamos. Por algum motivo que na época nos levou a isso, mas que hoje sei que não possuía importância nenhuma já que sequer lembro o que era, quando abri nossas mensagens não pude enviar a foto, porque estávamos brigando. Você ficou sem falar comigo por dias, queria resolver pessoalmente. Eu queria te ver o quanto antes. O dinheiro não permitiu que fosse logo. Nós nunca nos vimos.

Era domingo e a vontade de dividir coisas com você era maior que qualquer orgulho. Da minha parte, pelo menos. Se eu soubesse o que aconteceria, se soubesse ao que aquela conversa nos levaria, jamais teria falado nada. Você tinha um ponto, eu tinha outro, se juntássemos os dois seriam dois pontos, que na gramática podem ser usados para introduzir uma explicação, o que nos levaria a um acordo, mas o seu ponto continuou sendo só seu, assim como o meu nunca deixou de me pertencer, e em segundos a mensagem que perguntava se alguma coisa minha estava na sua casa pra ser devolvida chegou. Eu estava sentada na cama com as luzes apagadas e o celular na mão, a tela dele se apagou e eu não vi mais nada. 

No segundo momento eu estou te devolvendo seu violão e não consigo te olhar. Tudo o que eu vejo são seus pés e suas mãos. Você vai embora, eu choro na frente de pessoas que não sabem nada sobre nós. Foi a última vez que não te olhei.

Em um terceiro momento muitos meses já se passaram e muito já foi dito, mas ainda assim eu queria falar mais. Não falo. Te pergunto se deixo a mochila na portaria. "Não faço questão". Por quanto tempo ainda vou me perguntar o que essa frase envolve é algo que não posso responder. Quando o carro entra no seu bairro não sei diferenciar o que é meu batimento cardíaco do que é a sensação de frio na barriga. Eu entro na portaria. Digo o bloco, o apartamento e meu nome. A moça me chama de Tati com um som que parece uma lamentação. Me pergunto se está escrito no meu olhar que aquilo é um fim. Me viro e fecho o portão. Não te vi. Por todas as ruas e todos os pontos de ônibus que o carro passa, procuro te encontrar. Não te vejo. Eu nunca mais vou te ver.

O momento seguinte é entre todos os anteriores. Eu estou na Paulista sozinha, resolvendo alguma coisa, e eu desço na estação Brigadeiro, a mesma com a rede de fast-food que comemos juntos na área externa uma vez. No caminho de volta passo em muitos pontos da avenida e em todos eles eu posso te enxergar. Todos eles estão no passado. Eu nunca mais vou te ver.

Em Janeiro de 2017 nós nos vimos. E naquele dia do passado sempre vai existir uma versão minha encolhendo os braços de uma maneira estranha quando você me encarou por muito tempo depois de algo que eu disse pro nosso grupo de amigos; uma versão nossa sentados lado a lado dizendo que a carteira é como um órgão fora do corpo; uma versão nossa que seria o inicio pra tudo que fomos.

Não somos mais.

Comentários

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  1. Não havia lido nenhum texto seu ainda e gostei bastante de sua escrita <3
    Vou te visitar mais vezes =),
    abraços!

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  2. Eu demorei um tiquinho pra digerir.
    Sou apaixonada pelas músicas da Billie e logo depois que terminei de ler fui pega com Skinny Love, justo a minha favorita do Bon Iver e ainda mais com a voz da Birdy. Doeu. (A playlist tá ótima!)
    Você escreve bem demais! Consegui sentir cada partezinha desse texto.

    Um abraço!
    baudogirassol.blogspot.com

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