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Não é sempre que um filme nos diz exatamente o que é retratado. Acredito que tudo seja mais uma questão de momento vivido, mas tenho certeza que se você e seus amigos combinarem de assistir a um filme analisando-o da sua própria maneira e comentarem os achismos depois, as diferenças entre o que cada um absorve serão discrepantes. Apesar de eu já ter notado que faço isso com frequência - quando vi Guerra Civil, por exemplo, foquei muito mais nas minhas análises, que nunca cheguei a comentar com ninguém, do que nos atos heróicos e nas lutas ali retratadas -, assistir The Space Between Us, peço perdão adiantado pelo trocadilho, me levou para outra dimensão. 

O filme, lançado nos cinemas brasileiros em Abril e por algum motivo que não entendi muito bem, já presente entre as novidades do catálogo da Netflix, conta a história de Gardner Elliot, um adolescente que nasceu em Marte, o que se deve a sua mãe ter sido mandada em uma expedição da Nasa para o território e durante a mesma, descoberto sua gravidez. Graças à internet, Elliot mantém contato com uma garota na Terra, que até então não possui nenhum conhecimento sobre a vida fora do planeta de Gardner, acreditando quando o mesmo diz morar nos Estados Unidos e não poder sair de casa por possuir sérios problemas de saúde. Creio que não preciso nem dizer que ambos se apaixonam, que Gardner volta para a Terra e encontra muitas dificuldades com relação as diferenças de peso, batimentos cardíacos e todas aquelas coisas que só a física é capaz de nos explicar, mas que não desiste de tudo por ela, Tulsa, a terráquea. É aqui que a minha análise começa. 

Em tempos que vemos nossas prioridades sendo retratadas até mesmo em filmes do Oscar, como La La Land, em que duas pessoas, apesar de apaixonadas, percebem que o melhor a fazer seria abrir mão do romance para seguirem seus sonhos profissionais (e aqui ressalto que isso não é uma crítica a La La Land, filme que me deixou apaixonada, além de me sentir bem mais representada pelas pessoas que insistem em coisas não amorosas, e sim uma mera comparação para chegar ao meu ponto), The Space Between Us nos traz o oposto: pessoas que tentam, mesmo que o ambiente e até os batimentos cardíacos não estejam muito a favor do romance.

Relacionamentos nunca são fáceis, nós sabemos muito bem. Os vídeos e fotos nas redes sociais não dizem, as comédias românticas parecem ignorar, mas se você conhece alguém que está em um namoro, ou se você mesmo esteve ou está em um, reconhece que compreender a personalidade do outro, que muitas vezes converge em vários pontos da sua, é difícil. Saber estabelecer momentos para dar atenção, para ouvir, para estender as vontades de ambos a fim de que se complementem, é um exercício diário que exige muita, mas muita mesmo, vontade de ambos os lados. E em todas as relações, mesmo que em distâncias bem menores que a existente entre a Terra e Marte, existem os espaços. Esses em que deixamos de ser o nós para sermos apenas o eu. Quando precisamos continuar mantendo tudo o que fomos antes do outro, apesar dele. E ainda assim, os atravessamos, sempre na esperança de ainda encontrar a pessoa depois dele, mesmo sabendo que um dia isso pode não acontecer mais. 

Basicamente, tudo o que eu queria dizer é: The Space Between Us é muito mais sobre todos os tipos de relacionamentos do que sobre um com espaço-tempo diferente. Nós não notamos, mas o amor é acima de tudo, atravessar espaços enormes para por fim chegar a quem se deseja.

Relações Ubéricas.

A primeira vez que peguei um Uber foi com o R.

R. era um homem de estatura média, branco, de cabelos claros arrepiados que combinavam perfeitamente com suas bochechas carnudas. Sem saber direito como agir, pedi licença ao entrar no carro e ele confirmou os dados que já estavam no aplicativo depois de me dar boa noite. Como era um domingo, R. estava acompanhando o jogo de futebol pelo rádio, mas por algum motivo, depois de uns três minutos em silêncio tirou do jogo e colocou uma música do Ed Sheeran enquanto cantava junto, o que fez eu me questionar se por acaso tenho cara de quem ouve as músicas do cantor ou se ele realmente o fez por vontade própria. 

Nesse mesmo momento R. abaixou um pouco o volume e perguntou se eu já estava acostumada a utilizar o serviço. Respondi que era a primeira vez e ele sorriu enquanto dizia "Que privilégio! Você vai gostar!" e dali em diante fomos conversando até meu local de destino. R. me contou onde mora, falou que era a primeira vez trabalhando na minha cidade, conversamos sobre os desentendimentos com os taxistas e sobre pessoas que saem de baladas e entram no carro dele felizes demais. Quando sai do carro R. não deu partida até eu entrar onde devia e buzinou como despedida.

(***)

A segunda vez foi no mesmo dia, para voltar. Dessa vez conheci C., um pouco mais velho que R. e mais introvertido. Se perdeu ainda perto do lugar em que me pegou e dirigiu com mais cautela, também perguntou se era a primeira vez que utilizava o serviço e contei que era a segunda. Ficamos mais tempo em silêncio, até que ele perguntou se o nome que havia chamado o carro era do meu pai, respondi que sim, e em um momento de descuido, ele estranhou eu não morar naquela casa, respondi com um "Moro com minha mãe..." o deixando sem graça pela pergunta que fez, e talvez para quebrar o clima, C. insistiu para que eu pegasse algumas balas. C. não só esperou eu entrar em casa como também não deu partida no carro até eu sair da minha garagem.

Depois de R. e C. ainda conheci outros motoristas que mesmo brevemente, me fizeram ver como conexão não é sobre intensidade, e sim sobre estarmos todos ligados por coisas mínimas, corriqueiras, que passam facilmente desapercebidas pelos olhos. Que todos os dias sejam uma demonstração do quanto pessoas podem ser impactantes, apesar de tão diferentes. 
© Limonada
Maira Gall