São Silvestre particular.


Sempre tive problemas com autoconfiança. Dizer que não sou capaz e permanecer no mesmo local confortável é mais fácil do que acreditar em mim e correr atrás do que for necessário, por mais difícil que o seja, para me mostrar o contrário. 

Entre as muitas aventuras que pegar trens todos os dias me proporciona, descer escadas correndo é a mais desafiadora delas. Em grande parte da minha infância tive um problema de visão ainda não diagnosticado, o que me fazia cair muito, e em todas essas vezes antes dos óculos chegarem em que eu precisava correr, a voz do meu pai, sempre certa, ecoava mesmo que distante dizendo que aquilo terminaria numa queda. E de fato, sempre terminava. Na outra parte da infância, e até pré-adolescência, em que a visão já não era mais um problema, surgiu a questão da educação física. Se eu era sempre a que ficava por último nas escolhas de times, não tinha nada a ver com minha pouca popularidade, pelo contrário, a minha popularidade nesse sentido sempre foi bem conhecida por toda a sala: eu era péssima em esportes. Horrível.

Jake Gyllenhaal encenando minha vida. jpg
Sou muita adepta da ideia de que o que somos diz mais sobre o que as pessoas e as circunstâncias nos fizeram do que sobre quem realmente queríamos nos tornar. Essa falta de autoconfiança, sempre tão presente na minha vida em diferentes pontos, não partiu da genética, muito menos de uma força interior que me sussurrou: "Você não vai se dar ao luxo de acreditar em si porque isso é egocêntrico." enquanto eu dormia e me fez acordar no dia seguinte com essa característica tão presente na minha personalidade. É muito mais sobre todas as -- literais -- quedas na infância, sobre as bolas que pareciam ir não só contra mim, mas contra todas as leis da física. É um reflexo de cada aula de educação física em que precisar me deixar entrar em um time era um castigo pra todas as outras pessoas nele presentes.

Descer escadas enormes correndo, com o único objetivo de entrar no trem antes da sua partida, por muito tempo me foi impossível. "O próximo vai mais vazio.", "Não vai dar tempo mesmo se eu correr." e "Eu vou cair." eram desculpas que meu inconsciente dava para evitar entender que eu ainda era aquela mesma criança desajeitada e com medo da rejeição, mas em uma versão mais velha.

Por dois dias seguidos, os pés dentro do par de tênis rosa descendo aquela mesma escada enorme numa velocidade alta eram meus. A respiração ofegante, o coração acelerado, foram os sinais de que o meu corpo não só era capaz daquilo, como já o tinha feito muito antes de eu deixar o medo me impedir. Eu poderia dizer que os passos para começar a acreditar em si são lentos e cautelosos, porém, na última semana aprendi o oposto: eles são rápidos, confusos e cansativos, mas funcionam.

Comentários

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  1. nossa, eu me sentia como você nas aulas de ed física. sempre a última a ser escolhida, sempre um fardo pra quem ficasse comigo no time, IASHUIHAUAIHSASUIDHASI
    a gente ri agora, mas na época era bem triste.

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  2. Me sentia do mesmo jeito nas aulas de educação física. Ser a primeira a ser chamada para um time só se eu desse a sorte de ter um grande amigo pra separar o time, caso contrário eu ficava sempre entre os dois últimos a serem escolhidos com aquela nuvem de tensão que pousava na cabeça mostrando os dois líderes decidindo entre mim e o outro pobre coitado quem seria o "menos pior" para estar em seus times. Eu ficava por último. A pior foi eleita.

    Sobre esse último parágrafo, nem sei o que dizer. Superar-se é preciso. Descobrir-se capaz é revigorante. Nesse ano eu tenho percebido coisas em mim que jamais imaginei que conseguiria fazer por mim mesma. E a cada conquista é um sorriso. E mais motivos para continuar sempre evoluindo. Porque mesmo confusa e cansada - igual aos seus pés - eu também funciono, nos trancos às vezes, mas sempre em frente.

    Com carinho,
    Conto Paulistano.

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  3. O meu complexo na época da escola (e nos primeiros anos da faculdade) não era com atividades físicas, mas com o fato de que sempre se esqueciam de mim para tudo (então numa aula de educação física, por exemplo, eu simplesmente ficava em time nenhum).
    Eu adorei a sua postagem, principalmente porque me deu aquela vontade de me impulsionar e vencer algum medo que eu mesma criei (são vários), porque a gente sempre acredita que não dá, mas dá, é só ir lá e fazer.
    Enfim, obrigada pela reflexão!

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