Quando meu pai ainda morava comigo, poucos meses antes de tudo explodir e mudar, ele comprou uma escrivaninha para colocar no meu quarto. Era bem barata, e consequentemente, de um material não muito bom. Ele tentou montar pra mim, ficou, como em muitas outras vezes, bravo por não conseguir, e no final quem montou ela de verdade foi minha mãe. Como o material já não era dos melhores e a primeira tentativa de montagem o prejudicou um pouco, ela nunca ficou perfeita (a verdade é que eu sequer podia usá-la, já que corria o risco de desabar). Mesmo assim, desde 2015 ela ocupava um espaço no meu quarto. Quase como uma memória física do que já foi e se foi. Depois da melhora, nesse ano eu a destruí. Alguém levou as madeiras embora.
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Na cozinha o problema era a mesa. O erro foi o mesmo: uma compra virtual barata até demais. Ele também tentou montar. Não deu certo. Passamos todos esses anos jantando em cadeiras duras e uma mesa enorme que a qualquer movimento mais forte podia sair do lugar. Juntei dinheiro. Comprei outra.
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Fiquei anos prestando vestibular para um curso que eu jurava querer muito e via como a solução pra cada sentimento ruim que eu tinha. Por muito tempo eu deixei até que o tal curso nunca de fato cursado definisse a minha personalidade. Esse ano, depois de perceber o quanto eu o idealizei e até deixei de pensar em mim como alguém com muitos outros gostos, vontades e desejos, vendi as últimas apostilas de pré-vestibular que estavam guardadas aqui em casa. Limpei as gavetas da cômoda em que elas ficavam guardadas. Ainda não sei se são espaços vazios ou cheios de possibilidades.
Não é tão fácil para alguém com ansiedade generalizada se deixar ser mais que o passado ou todos os "e se" que existem.