Só acontece comigo #71

Há anos eu dormia em um colchão muito especial. Tão especial que não suportava o peso do meu corpo e constantemente amanhecia com uma cratera na região onde minha coluna ficava, um perfeito molde, eu diria. 


Uma dor aqui, outra dor ali, o tempo foi passando e o comodismo se fez presente. Sempre que a possibilidade de trocá-lo surgia, eu convencia minha mãe do contrário, porque na minha mente a coluna podia estar destruída, mas era um absurdo gastar dinheiro com algo que estava inteiro. Até que minha mãe cansou da minha enrolação e comprou comigo querendo ou não. 

Com medo -- justificável para os tempos atuais -- de me deixar receber os entregadores sozinha, mamãe pediu para que o vendedor autorizasse a entrega apenas no horário em que ambas estamos em casa. Ela só não contava com o telefone tocando em uma segunda. 

Foi quando me vi sendo dona do meu destino e tomando uma decisão difícil: eu iria receber à entrega. Sozinha. Porque os entregadores já estavam em um bairro próximo e eu fiquei com dó. 

No fim das contas, me mostrei não só senhora do meu destino como também muito capaz pois fui uma ótima anfitriã. Tudo estaria perfeitamente sob controle, se não fosse pelo moço saindo da minha garagem e dizendo para o motorista que estava com ele:

-- Agora eu entendi porque só podia entregar com a mãe dela em casa, ela é menor de idade!
-- MOÇO, EU TENHO 20.
-- Iiiih, mostra o RG ai então.

A vida meus amigos, é isso: quando eu penso que estou sendo possuidora do meu próprio caminho, levo um tapa na cara dado pelo meu próprio RG. 


O dia em que ler um YA foi problemático.


Quando minha mente está muito sobrecarregada, perco o interesse por livros -- e fico ainda mais sobrecarregada por não estar lendo porque é assim que eu funciono, na base da tortura mental --, não é de hoje que quando isso acontece e consigo voltar a ler algo, sempre são os quentinhos e confortáveis young adults. Foi assim que me deparei com Duff*, da autora Kody Keplinger.

D.u.f.f é a sigla que abrevia o apelido "designated ugly fat friend", termo pejorativo utilizado não necessariamente quando a pessoa tem as características já citadas, mas quando em um grupo de amigos é a menos popular ou atraente. São muitos os problemas estampados na sigla, desde a associação do gordo ao que é feio até ao fato de ser atribuído como uma forma de desclassificar alguém. Mesmo assim, até então, nenhum problema em esse ser o nome do livro, afinal ele poderia tratar o assunto de uma forma consciente.


A história gira em torno da personagem Bianca Piper, que no colegial está feliz com suas duas melhores amigas, até o momento em que descobre ser vista como a duff do trio e as coisas passam a desandar. Toda a problemática do livro poderia estar só em outros fatores, mas a própria Bianca é uma questão ao ser misógina quando fala sobre o comportamento de outras garotas, e se coloca acima delas por não ser da mesma forma, chegando a confundir ser feminista com a falta da feminilidade.


“Se eu não estivesse tão nervosa por causa do encontro, teria ficado horrorizada por ver minhas convicções feministas sendo atacadas por todo aquele embonecamento e pela animação delas.



A personagem, como exemplificado pelas citações abaixo, também se esquiva dos problemas e do autoconhecimento por meio das suas relações com garotos, chegando até a aceitar os tratamentos que recebe. 


“´[...] ele já sabia que eu era uma Duff, e eu não precisava impressioná-lo.”


"Eu tinha apenas catorze anos quando perdi a virgindade com Jake Gaither. Ele tinha acabado de fazer dezoito, e eu sabia perfeitamente que era velho demais para mim. Mesmo assim, era uma caloura no ensino médio, e só queria um namorado. Queria que gostassem de mim e queria me integrar, e Jake era um veterano com carro.”

Os pontos problemáticos continuam com outras personagens, mostrando cada vez mais como cada uma das questões estão naturalmente inseridas na sociedade, e não em apenas uma pessoa, como foi o caso do diálogo a seguir entre três garotas a respeito do corpo feminino:

“— Ele vai pra cama com todo mundo — retruquei, entrando com o carro na rua 5. — Se ela tiver uma vagina, ele vai fazer sexo com ela.
— Eca! Bianca! — gritou Jessica. — Não diga a... Palavra com V.
— Vagina, vagina, vagina — disse Casey sem rodeios. — Supere, Jess. Você tem uma. Você pode chamá-la pelo nome.
As bochechas de Jessica ficaram da cor de tomates.
 — Não é preciso falar disso. É grosseiro e... Intimo demais.”

É claro que são todas questões que ninguém nasce já sabendo e que o conhecimento sobre vem com o tempo, mas ver tudo isso em um livro pra garotas adolescentes se tornou um problema porque muitas vão se identificar e em momento algum a autora se preocupou em mostrar um outro lado que não fosse um garoto -- que inclusive, é quem conta pra Bianca que ela é uma duff, reforçando a velha história de que tratar mal uma garota irá conquistá-la -- como a salvação pra tudo. E foi assim que um livro escolhido para me tirar da penumbra, deixou meus neurônios completamente adoidados.

“Era um desses rótulos que se alimentavam dos medos secretos que todas as meninas têm de tempos em tempos.”

*O livro foi adaptado para um filme de mesmo nome, mas o enredo é completamente diferente. A única coisa em comum são os nomes dos personagens e o conceito de duff utilizado. 

Só acontece comigo #70

Levar um livro na bolsa, não importa qual seja meu destino, é um hábito que cultivo -- e nem sempre muito bom, pois apesar da idade não avançada, as dores nas costas são muitas. Como a biblioteca em que costumo estudar é bem próxima do local de trabalho da minha mãe, quando estou lá de tarde a espero para voltar pra casa. Aproveitei o pequeno momento de ócio que eu teria, sentei em um banquinho, e abri meu livro. Do lado oposto, uma senhora vinha em minha direção com um olhar fixo, e cada passo a mais equivalia a um raio exalando dos seus olhos em minha direção. Ela finalmente parou na minha frente, direcionou o olhar para o meu livro, e disse:

-- É a bíblia, querida?

(Demorei alguns segundos para processar a informação.)

-- Hmmm... Não...
-- Pois leia a bíblia, tenho certeza que é melhor -- volta a andar como se nada tivesse acontecido.


Be bostra as ibagens: Março de 2018.

O jovem que visita esse blog, ao se deparar com um post nomeado como "Be bostra as ibagens", certamente questiona mentalmente se não deveria estar fazendo algo mais útil com a vida do que lendo isso. Se ajudar em algo, poderia ser pior: você podia ser a pessoa que o escreve.

Como comentei nesse post, tenho tentado incluir mais as pequenas coisas que me fazem bem no dia-a-dia porque a tendência de perder complemente o controle caso não o faça são enormes; sendo a fotografia um dos meus escapes -- mesmo que eu não tenha talento pra coisa --, achei que seria mais motivador ter como objetivo mostrá-las mensalmente nesse espaço que há tantos anos consegue ser uma extensão tão verdadeira de quem sou. Sendo assim, mensalmente virei aqui com o "Be bostra as ibagens", para falar um pouco sobre o meu mês e continuar compartilhando boas memórias. 

Um dia na biblioteca. 




Costumo estudar em uma biblioteca com frequência, e apesar da mesma não estar em nenhuma das fotos acima, gosto muito dos arredores dela, que sempre conseguem me transmitir paz. No sentido horário, as três primeiras fotos estão no paço municipal, que quando florido fica muito mais bonito; a entrada da "Villa Rosa" sempre me encantou com seus pequenos detalhes. Ela é um bistrô com comidinhas e bebidas que nunca experimentei. Essas fotos me lembram um bom dia do mês não só pelo carinho que tenho por esses cantos da cidade, mas também pelo dia, que mesmo corrido, fez com que eu me sentisse capaz e independente depois de resolver várias coisas sozinha. 

Um dia na Av. Paulista.




No último sábado do mês fui andar pela Paulista -- lugar que mesmo batido sempre parece esconder algo novo pra descobrir. No sentido horário, a primeira foto é o céu do Parque Trianon, um lugar muito gostoso pra quem assim como eu se sente bem no meio da natureza e que como se pode notar pela foto, tem árvores muito altas. Ao lado, uma varanda em um prédio comercial que me encantou pelos detalhes dos banquinhos (queria que a porta estivesse aberta). O E.T. estava sentado em um banco da Livraria Cultura, e eu posso ou não ter apertado os peitos dele. As próximas fotos são edifícios e a lateral de uma igreja católica cujas janelas me chamaram a atenção. Também estive na Passagem Literária -- um espaço subterrâneo que permite a quem está já no final da Avenida Paulista ir para uma parada de ônibus do outro lado da rua sem correr o risco de ser atropelado, e que conta com um sebo e exposições --, e para minha surpresa a exposição falava sobre violência contra a mulher e a necessidade de se entender o feminismo.



Pra completar o mês, minha mãe, a melhor pessoa desse mundo, me deu um mini cacto de presente, e o nomeei de Harry Styles porque por algum motivo assim que o vi lembrei dele. 


P.S: caso você não saiba, o nome dessa série de posts é baseado no Datena, que por um tempo foi piada na internet por falar "ibagens", como nesse vídeo.

Até o mês que vem!
© Limonada
Maira Gall