Ser o entre.


A passagem dos anos no calendário traz consigo a diminuição das nossas células; mesmo as perdendo, a sensação de acúmulo no meu corpo aumenta à cada 11 de Maio porque nessa mesma data -- em 1997, o dia das mães --, estive nos braços de alguém pela primeira vez. Vinte e um anos depois percorri outros, deixei e fui deixada com ambos esticados esperando por abraços que não vieram, perdi tantas e tantas células, roupas, amigos, cabelos, costumes e incontáveis segundos, mas a cada vez que surge a data cuja memória envolve meu nascimento, o peso e a perda aumentam.

Pesa por sentir que deveria ser mais quando ainda me sinto tão pouco, sendo cada peso contraditório por sempre estar acompanhado da sensação de ausência de tudo que sei não só ser, como ter sido. Vez ou outra me pego como um animalzinho que ainda não entende muito bem seu próprio corpo: me mordo sem reconhecer que por mais estranho que seja, aquilo também sou eu; corro em círculos em busca de mim sem perceber que estou ali, inteiramente presente naquele giro, mesmo que enjoada e cansada de procurar por um bando que me conforte quando posso muito bem seguir com meus próprios instintos.

No fundo sei que não estive rodando ao longo dos 21 anos que se passaram, lembro bem de carregar certezas e longas caminhadas em linha reta, mas ainda assim me enxergo como o entre. Estou entre as oportunidades de ser quem quero, entre o que fui e o que tento ser, entre os que foram e os que ainda serão, e entre as idades que separam a vida em seu início da sua continuação já determinada. Carrego o peso de ser não sendo e a perda de ter sido. Sou e estou entre. 

Be bostra as ibagens: Abril de 2018.

Se você esteve por aqui no mês passado, sabe que comecei um projeto pessoal chamado 'Be Bostra as Ibagens' -- uma piadinha com apresentadores de jornais sensacionalistas --. que envolve compartilhar minhas fotografias amadoras mensalmente com o propósito de permitir que quem as vê saiba mais sobre meu modo de olhar o mundo e dessa forma, enxergar as pequenas coisas boas do dia-a-dia que muitas vezes passam despercebidas.

(Mais uma vez) Av. Paulista e seus arredores.



O medo de todas as fotos durante os meses acabarem se tornando extensões eternas do que é a Avenida Paulista é real, mas ela também é um dos lugares que me tiram um pouco dos dias em que as angústias crescem dentro do peito. A primeira foto foi tirada do vão do MASP, de um prédio que associei com Grey's Anatomy pois sou viciada em sofrer; a partir da segunda, todas as fotos em sentido horário são dentro da Casa das Rosas: um edifício comercial, a janela que faz parte da Casa e não tem motivo especial algum para estar aí além do meu costume de fotografar janelas -- qualquer dia explico qual a minha questão com elas--. e por último meus pezinhos com o fim de um poema em exposição que achei muito bonito. As fotos a seguir são todas do jardim da Casa.




Livros e flores.



Encontrei Agência Nº1 de Mulheres Detetives, do autor Mr. McCall Smith em uma biblioteca pública. No caso, esse é o primeiro de uma série de quinze romances policiais com a protagonista Preciosa Ramotswe, que se arrisca abrindo uma agência de detetive em sua cidade natal, Gaborone, capital de Botsuana, com a herança que recebe do pai. Confesso que quando o peguei estava mais atraída pela ideia de uma agência com mulheres detetives -- e pelos detalhes da capa --, e nem me preocupei em saber muito sobre a história, mas o lendo, encontrei um livro mais interessante do que imaginava, com uma mulher acreditando em si e deixando de lado aqueles que a desincentivam, além do fato de a história ser localizada em Botsuana, o que foi uma surpresa. 


Fora isso, tentei fotografar uma das árvores mais bonitas do meu bairro e fui atrapalhada pelos fios de eletricidade (no terreno dessa árvore ficava uma casa bem antiga que foi demolida para construírem apartamentos no lugar. Quando isso aconteceu, fiquei morrendo de medo que a derrubassem, mas dois anos já se passaram e nada foi construído no lugar). Anualmente meu município realiza um festival de flores -- segunda foto --; e fui presenteada pelo meu namorado com um vaso de Begônias que chamei de Beyoncé pra fazer piada ruim por as duas começarem com "Be", mas no exato momento em que escrevo isso estou olhando para o vaso e vendo um total de zero flores (aceito dicas).

Ah, o texto foi publicado em Maio, mas como o escrevi em Abril também vou deixar aqui, apareci lá no Valkirias em um especial para a semana do trabalho: Paula Proctor e a árdua jornada de trabalho feminina. Se você também assiste Crazy Ex-Girlfriend, espero que te contemple.

Que os bons pequenos momentos continuem, pra vocês e pra mim!

Consolação.


São 22:40 de um sábado a noite e as luzes piscam. Não são coloridas e não acompanham nenhum ritmo como naquela noite de Janeiro de 2017, mas me sinto perdida, assim como naquele dia. A rua era lotada e as conversas eram muitas. Eu tentava fazer parte e sabia que não estava me saindo muito bem, mas precisava tentar — era o sexto dia de um ano novo e eu queria deixar aquela sensação de raramente me encaixar pra trás. 

Passaram horas, tocaram músicas, alguns copos virados e a certeza de que eu não deveria estar ali aumentava. Eu não deveria estar na parte de cima, não deveria ter bebido mais, não deveria, não deveria, não deveria.

Mas eu estava. 

Assim como você que me olhou diferente quando fiquei tímida e me encolhi daquele jeito estranho em que os dois braços viram um só. Que sentou do meu lado e falou o mais sem graça possível. Que me ouviu na conversa rápida de "a carteira é tipo um órgão fora do corpo." Você estava, eu estava, e mesmo depois das horas e das luzes e das músicas e do fato já citado de que eu não deveria estar na parte de cima, nós dois estávamos lá fora e lá dentro e em todos os cantos da rua Augusta com paradas e beijinhos e mãos dadas. 

O dicionário define Consolação como um ato de conforto ou um motivo de alegria. Você foi o meu consolo em uma noite que nada encaixava e me trouxe alegria pra todos os dias desde então. Gosto de pensar que meses depois da noite em que as luzes piscavam, a música tocava e tudo o que não fosse nós dois não se encaixava, muitos dos nossos encontros continuaram sendo ali, na estação cujo nome diz o que ela me deu quando nos apresentou: conforto e alegria. Só não queria hoje precisar ser consolada por isso. Queria ser alegre. Contigo.
© Limonada
Maira Gall