Self image 2025

Enquanto minhas pernas são esquentadas por um grosso cobertor, doado por algum parente em um outro momento da vida, a luz amarela da cozinha invade a tela branca do notebook e evidencia minha postura um pouco torta após a minha primeira (e tomara, última) cirurgia  uma colecistectomia que precisou ser realizada após alguns episódios de cólica biliar confundida com gastrite. Na tela, começo a escrever o texto que anualmente me leva a olhar para dentro.

Nunca escolhi nenhum dos lençóis da minha cama. A mistura de fios de algodão e poliéster, em sua maioria, eram passados entre parentes da minha família até terminarem nas minhas mãos. Nesse ano, vivendo mais um dos muitos momentos desde que sai da faculdade em que me pergunto o que faço com toda essa liberdade financeira recém adquirida, me vejo tendo que "consertar" coisas que não eram exatamente minha responsabilidade, mas se não o forem, não serão de mais ninguém. Como as facas que faltavam no gaveteiro. A mesa de jantar que precisava ser trocada. A nova cadeira de escritório necessária agora que trabalho em modelo home office. Demorei alguns anos para conseguir entrar na universidade, e para enfim concluir a graduação, dado todo o contexto social da minha família, e agora, no auge dos meus vinte e oito anos, não posso mais decidir escolher gastar meu dinheiro com o que der vontade. Já tenho uma idade mais séria. Não posso fingir que não estou vendo as dificuldades da minha mãe. Não dá pra ignorar os problemas da casa em que vivo e que podem ser resolvidos com meu dinheiro quando passei tanto tempo focada no futuro em que eu finalmente teria como ajudar financeiramente. Mas voltando ao ponto de inicio: nunca escolhi meus lençóis, porque em um mundo em que poder de escolha é poder de compra, meus gostos nunca puderam ser favorecidos. Depois de todos esses anos aceitando, agradecendo, e obedecendo, pela primeira vez comprei lençóis. Um conjunto azul marinho com xadrez em branco e outro conjunto off-white com luas, estrelas e sóis. Ambos escolhidos a dedo. Ambos desejados. Sinto que durmo melhor quando estou neles. 

O mesmo aconteceu com meus cobertores. Sempre aceitei aqueles que porventura viessem parar na minha mão, mas nunca os escolhi. Pedi um de presente de dia dos namorados. Ganhei. Gostei. Mas não escolhi. Queria tanto ter tido mais anos de escolhas conscientes e menos anos de passividade frente ao que tenho que aceitar por "ser o que dá". 

Me prendi tanto ao que eu queria ser profissionalmente que esqueci de ser eu mesma. De continuar insistindo no que me fazia bem. De saber falar inglês de tanto ter visto séries e filmes e ouvido músicas. De entender de HTML e conseguir criar meus próprios layouts pro blog. De ter ideias para ficções e sonhar com livros publicados. Mesmo que em plataformas virtuais. Mesmo que mal lidos. 

Esqueci como escrever textos. Antes, em uma única "sentada" em frente ao notebook, incontáveis posts eram publicados por aqui. Hoje estou escrevendo parágrafos desconexos na esperança de que se eu os reorganizar, em algum momento saia daqui com algo que minimamente se adeque ao conceito de coesão textual. 

Engraçado como de todas as versões que já escreveram neste blog ao longo dos últimos doze anos, a de agora possui bagagens mais pesadas, e ainda assim, tem se sentido a mais leve. Também sinto que esse é o primeiro self image em anos em que não estou mentindo para mim mesma sobre como me sinto. 

Escolho não estar mais sempre do lado passivo por falta de poder. 

A ideia do self image é do Eric que os publica anualmente. No blog você encontra as versões de 2014, 2015, 2016, 2017, 2018, 201920202021/20222023 e 2024 


Ai de mim que sou nostálgica (e melancólica)

Vocês sabem viver o presente? 

(Nossa, mas já começa o post assim, não chama nem pra tomar um café antes).

Mas eu tô falando de viver o presente de verdade, sem ficar planejando o futuro, seja ele de curto, médio ou longo prazo, ou sem olhar pro passado enquanto pensa que "Ah, naquele tempo sim era bom!".

Percebi recentemente que tenho essa característica, que está bem mais para uma dificuldade: tô sempre torcendo pro futuro ser melhor, agarrada na esperança de que lá na frente, quando eu atingir tal coisa, aí sim eu vou estar feliz, ou que lá no ano passado, quando as coisas eram de tal e tal jeito, eu estava vivendo o melhor momento da minha vida (não estava, tava bem ruim e eu só me apego em lembranças boas e ignoro que em 95% do tempo eu tava é FODIDA) e não dei o devido valor. 

Achei que aos 27 eu seria uma pessoa tão mais adulta. Com tantas respostas. Estabilidade. E a verdade é que eu só fiquei com ainda mais perguntas, um pouco mais de estabilidade sim, não vou negar, mas tão mais confusa que antes. Uma vontade tão grande de que alguém valide que meu caminho tá certo. Que eu não tô (tão) maluca. 

Mas quando eu for mais velha vai ser melhor. Bom mesmo era dois anos atrás.

 


Self image 2024

Apareço por aqui faltando 10 dias para entrarmos em Dezembro apenas para dizer que não sei quem sou há um tempo. De 2021 até aqui, tenho a sensação de ter sido empurrada por um grande vendaval, que levou junto tudo o que eu sabia (ou fingia saber) sobre a vida, as pessoas, sobre eu mesma. 

A demora para escrever o self image de 2024 não tem relação nenhuma com a correria da vida. Foi consciente. Escolhi não postar nada porque estou há meses olhando para dentro sem saber onde me encontrar. 

Me formei na faculdade em Janeiro desse ano e os últimos 8 anos da minha vida haviam sido divididos entre estudar pro vestibular, sonhar com ser aprovada no vestibular, ser finalmente aprovada, viver intensamente a universidade (com as coisas boas e todas as ruins) até de repente me ver com um diploma na mão. Mas e agora? Se o meu sonho era cursar uma universidade pública e isso finalmente aconteceu, quem sou eu agora? 

Não sei. 

Sei que não gosto de viver para trabalhar. Sei que ainda sonho com o momento da vida que vou trabalhar com saúde pública&saúde coletiva&estratégia saúde da família&saúde mental. Sei que ainda quero fazer um mestrado. Um doutorado. Voltar pra academia lá na frente e devolver para outras pessoas tudo que me foi investido. Sei que não quero viver para trabalhar e ainda assim todos os meus sonhos atuais tem relação com realização profissional. 

Sei que não estou feliz com o hoje e isso me assusta. Quando então eu vou estar feliz? O que tem me causado essa sensação tão grande de estar perdida e de não saber qual é afinal de contas o grande porque por trás da existência? 

Não sei. Nada tem feito sentido.





A ideia do self image é do Eric que os publica anualmente. No blog você encontra as versões de 2014, 2015, 2016, 2017, 2018, 201920202021/2022 e 2023

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Maira Gall